Desembargadores do TJAM concederam segurança à tia que obteve a guarda da criança após a mesma, aos três meses de nascida, perder a mãe, vítima de um câncer.
As Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) julgaram procedente o pleito de uma servidora pública temporária e determinaram que o Estado conceda a ela, sob pena de multa, o benefício de 120 dias de licença-guarda. Na decisão, a Justiça Estadual concedeu segurança à servidora que obteve a guarda do sobrinho, que perdeu a mãe aos três meses de vida.
O processo nº 4001922-93.2018.8.04.0000 teve como relatora a desembargadora Joana dos Santos Meirelles que em seu voto – acompanhado de forma unânime pela Corte – evidenciou que “os órfãos constituem grupo vulnerável e fragilizado (…) sendo absolutamente contraditório lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa”.
O entendimento unânime das Câmaras Reunidas do TJAM, que levou a relatora do processo a analisar detidamente a matéria após julgar inicialmente, prejudicada a estabilidade e conceder a licença-guarda, teve a colaboração da desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, que apresentou voto vista, acompanando a relatora na concessão da licença, mas divergindo quanto sua estabilidade.
Em seu voto, a desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, após pedir vista dos autos para uma melhor análise da matéria, afirmou que a concessão do direito a licença-guarda em favor da Impetrante não pode encontrar-se dissociada do direito a estabilidade provisória, sob pena de submetê-la, durante esse período de estruturação familiar, ao constante temor de ser despedida de seu labor.
"Trata-se, in casu, de terreno fértil para aplicação do princípio da fraternidade, o qual encontra-se evidenciado em vários dispositivos constitucionais (art.3º e no Preâmbulo), trazendo a ideia de uma comunidade universal, de uma unidade de diferentes, mas no qual são respeitadas as próprias identidades, em outros termos, a concepção da fraternidade vai além de sermos iguais e responsáveis uns pelos outros, mas, adotada como um princípio do Estado Democrático de Direito, passa por uma comunhão de pactos para além da cidadania, tratando-se de uma visão de coletividade e alteridade, objetivando-se a efetivação dos direitos fundamentais", mencionou a desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura em seu voto.
Mencionando farta jurisprudência de tribunais superiores, dentre as quais o Agravo Regimental RE 597989 julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sob relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski e o RE 287905 cujo relator para o Acórdão foi o então Ministro Joaquim Barbosa, a desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, em seu voto salientou que "a concessão de tal direito em favor da impetrante decorre de uma interpretação teleológica, derivada dos princípios da fraternidade, proteção integral, prioridade e do interesse superior do menor, os quais, em última análise, conferem efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana."
O caso
Na inicial do processo, a Autora da ação – tia da criança – informou que obteve a guarda provisória desta, junto à 5ª Vara da Família da Comarca de Manaus, após sua genitora vir a óbito em decorrência de câncer no ovário e estando o pai (da criança) em lugar não sabido e não demonstrando interesse em sua criação.
Consta nos autos que a Autora da Ação – uma técnica em enfermagem contratada em regime temporário – procurou reiteradas vezes o setor jurídico da Secretaria na qual trabalha e foi informada “da impossibilidade de aplicação da referida estabilidade aos contratos temporários diante da ausência de normas”, razão pela qual a servidora temporária procurou a via judicial para requerer a licença-guarda reivindicada.
A relatora do processo, desembargadora Joana dos Santos Meirelles, em seu voto, afirmou que questões relativas ao vínculo jurídico-administrativo ou contratual da servidora não podem relativizar o seu direito social estabelecido nos art. 7º, VIII e 39 § 3º da Constituição Federal.
No mérito, diz a relatora, “entendo que é o caso de concessão integral da ordem, isto porque, apesar da Impetrante ser servidora temporária, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de repercussão geral, decidiu que não há diferenciação entre o vínculo jurídico entre a servidora e o órgão a qual se encontra vinculada para efeito de gozo da garantia fundamental do trabalhador”, apontou a magistrada.
A relatora citou que a possibilidade de gozo de licença-adoção por quem detém guarda provisória, no caso em questão, é medida cabível. “O intuito da licença-adoção é o de adaptar o novo integrante da família à rotina do lar, bem como promover a adaptação dos pais ao seu convívio, consistindo, portanto, em espécie de proteção à entidade familiar. Neste sentido, a Lei nº 8.112/90, aplicável aos servidores públicos da União, embora estabeleça prazos diferenciados para casos de licença-adotante e licença-gestante, não diferencia a questão relativa à adoção ou guarda judicial, quer esta provisória ou definitiva”, frisou.
Mencionando diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.068/90), decisão do STF – RE nº 778.889 de relatoria do ministro Roberto Barroso e as contribuições trazidas pelas desembargadoras Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura e Carla Maria Santos dos Reis em manifestações no plenário das Câmaras Reunidas sobre o processo em questão, a desembargadora Joana Meirelles, em voto, concedeu a segurança pleiteada na forma do art. 487, I, do Código do Processo Civil (CPC) concluindo que “os órfãos, em evidência, constituem grupo vulnerável e fragilizado, demandando esforço adicional da família para sua adaptação e para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Desta forma, entendo ser absolutamente contraditório lhes conferir proteção inferior àquelas dispensadas aos filhos biológicos”, disse a desembargadora determinando ao Estado a liberação da Autora da Ação por 120 dias sob pena de multa diária arbitrada em mil reais por dia, no caso de descumprimento, até o limite de 30 dias.
Afonso Júnior
Fotos: Raphael Alves e Raimundo Valetim
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