Durante a 22ª Semana Justiça pela da Paz em Casa, que ocorreu entre os dias 21 e 25 de novembro de 2022, a Comarca de Boa Vista do Ramos/AM realizou 28 (vinte e oito) audiências de acolhimento, além de outras atividades relacionadas à temática da violência doméstica.
Participaram das atividades, além do Juiz de Direito João Gabriel Cirelli Medeiros e dos funcionários da serventia, a Defensora Pública Daniele dos Santos Fernandes, a Psicóloga Gécyca Anselmo Ferreira e a Assistente Social Maria Eucilândia Bentes da Silva (as duas últimas do Centro de Referência Especializado em Assistência Social – CREAS).
Sobre as audiências de acolhimento na Comarca de Boa Vista do Ramos
Trata-se de iniciativa organizada pelo magistrado João Gabriel Cirelli Medeiros em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social que consiste na criação de um espaço de acolhimento às vítimas de violência doméstica durante a realização periódica da Semana Justiça pela Paz em Casa, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e promovida pelos Tribunais de Justiça, ocasião em que podem contar com apoio assistencial, psicológico e jurídico.
“Há iniciativas e programas semelhantes em execução em outros Estados, alguns com estrutura própria e quadro de pessoal, o que não é o caso de Boa Vista do Ramos. Atendendo ao proposto pelo Conselho Nacional de Justiça e incentivado pela Coordenadoria de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça do Amazonas, a intenção é dar visibilidade ao tema e aproximar o Judiciário da vítima de violência doméstica”.
A experiência do magistrado com as audiências de acolhimento teve início durante a 18ª Semana da Justiça pela Paz em Casa (agosto de 2021), quando o magistrado ainda respondia pela Comarca de Guajará/AM, e foi reproduzida nas semanas seguintes, inclusive na Comarca de Boa Vista do Ramos/AM, durante as 21ª e 22ª edições da Semana da Justiça pela Paz em Casa.
O juiz João Gabriel explica que, durante a experiência que teve no 2º Juizado Especializado de Violência Contra a Mulher da Comarca de Manaus, e pelo contato com a titular da unidade, juíza Luciana da Eira Nasser, foi identificada a importância da atuação da equipe multidisciplinar para a garantia das medidas de proteção à vítima de violência doméstica e mesmo para subsidiar a atuação do magistrado.
“Ainda que seja adotada pela autoridade policial e pelo juízo a prática de encaminhamento das vítimas de violência doméstica aos serviços de atendimento ofertados pelo CREAS, tem-se índice inexpressivo de procura espontânea. Os motivos narrados pelas vítimas são diversos: ausência de tempo, desconhecimento da possibilidade de serem atendidas pelo CREAS, além de dificuldades relacionadas à própria logística de atendimento”, explicou o Juiz.
Diante da ausência de equipe especializada na Comarca de Guajará, o que se repete na Comarca de Boa Vista do Ramos, foi estabelecida parceria com a Secretaria de Assistência Social do Município, com apoio da Secretária Municipal Sandra do Socorro, que disponibilizou nas duas últimas edições da Semana Justiça pela Paz em Casa assistente social e psicóloga do CREAS para os atendimentos realizados.
Intimadas a participarem das “audiências de acolhimento” as vítimas de violência doméstica foram atendidas pela equipe, nesta edição formada pela Psicóloga Gécyca Anselmo Ferreira e pela Assistente Social Maria Eucilândia Bentes da Silva, contando com a participação da Assistente Social Amanda Caldas dos Santos em um dos dias de atendimento, além da presença da Defensora Pública Daniele dos Santos Fernandes, que aceitou participar das audiências após tomar conhecimento do programa.
Dinâmica das audiências de acolhimento
No espaço de acolhimento em que são realizados atendimentos individuais, presentes apenas a equipe e a requerente da medida protetiva, as vítimas foram instruídas sobre o propósito da audiência e sobre o seu caráter sigiloso. Ainda, foi esclarecido que poderiam expor suas dúvidas sobre as medidas protetivas, sobre questões jurídicas relacionadas ao término do relacionamento e, quando assim manifestarem, relatar a violência sofrida no intuito de poder ressignificar o episódio.
As audiências foram designadas com espaço de 15 a 30 minutos de intervalo, mas não tiveram prazo determinado, uma vez que levaram em conta as necessidades manifestadas pela mulher atendida.
“Foi explicado às vítimas que a audiência não era para colher provas, que não era para falar de violência, salvo se ela quisesse, mas sim que o objetivo era saber como poderíamos ajudar essa vítima. Saber se a família tinha conseguido reestruturar os laços, saber se as medidas protetivas tinham funcionado ou se outras eram necessárias, saber sobre a situação financeira dela e dos filhos, se estavam recebendo alimentos”, esclarece a Defensora Pública Daniele dos Santos Fernandes.
A assistente social do Creas Maria Elcilândia pontua que algumas mulheres se sentem tímidas no início, mas ao serem orientadas a ficarem à vontade por ser o momento delas e não serem obrigadas a falar, todas participaram espontaneamente.
Para a Defensora Pública Daniele, ao entenderem o propósito da audiência, as vítimas logo ficavam relaxadas e todas que participaram do acolhimento quiseram falar sobre a situação que tinham passado.
“Notamos que várias mulheres já tinham ressignificado a situação de violência, já tinham retomado a relação com o agressor (companheiros ou filhos). Algumas vítimas trouxeram demandas tanto para o equipamento de atendimento do Município quanto para a Defensoria, para pedirem alimentos, cumprimento de sentença ou para terem acesso a assistência psicológica”.
Na visão da psicóloga do CREAS Gécyca, apesar de identificar que as vítimas chegavam retraídas à audiência, os resultados foram bastante produtivos, sendo perceptível que as vítimas saíram da audiência em uma condição muito melhor do que quando chegaram.
“Como psicóloga, quando a mulher passa pela porta já começo a fazer minha análise; a mulher chega muito ressabiada, não querendo falar, e nós a deixamos à vontade. Muitas se emocionam, muitas choram, e é aí que percebemos a importância do apoio. E na maioria dos encaminhamentos a acompanhamento psicológico a demanda partiu da própria pessoa que percebeu a importância de falar sobre a experiência vivida até para o seu autoconhecimento”, lembrou.
Para a Defensora Pública Daniele, é uma audiência que dá empoderamento à mulher, que mostra os equipamentos que podem acolhê-la e encerra muitos casos que já poderiam ter sido concluídos pelo fato de a mulher não precisar mais da assistência do Estado, porque a situação fática já é outra.
Após a oitiva da vítima, há o encaminhamento ao magistrado, que a ouve exclusivamente em relação às demandas que apresenta a partir do acolhimento, seja para revogação da medida, seja para manutenção ou prorrogação do prazo de vigência, ou ainda para inclusão em programas assistenciais prestados pelo Município.
O Juiz João Gabriel explica que as audiências de acolhimento são designadas com a exclusiva finalidade de ouvir as vítimas sobre as medidas protetivas, sendo priorizado que eventual audiência de instrução criminal sobre o caso não seja realizada no mesmo dia.
“Um dos pontos que mais chama a atenção é a diferença do estado emocional da vítima de violência doméstica quando é ouvida no contexto de uma audiência de instrução criminal e quando é ouvida no contexto de uma audiência de acolhimento. Na audiência de instrução a mulher está ali para falar sobre a violência que sofreu fornecendo provas para eventual condenação do ofensor, pessoa com quem teve ou ainda tem relação afetiva; na audiência de acolhimento a mulher é chamada para ser auxiliada na reestruturação de sua vida após a experiência traumática que sofreu”.
Atendimento realizado na Comunidade Rural do Amândio
Durante a 22ª Semana Justiça pela Paz em casa, na quinta-feira dia 24/11, foi organizado um evento pelas Secretarias de Educação e de Assistência Social do Município de Boa Vista do Ramos na Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Amândio, localizada na zona rural do Município com acesso por via fluvial, distante aproximadamente 1h30m de lancha da sede do Município, dadas as atuais condições de navegação.
O evento contou com a participação do Poder Judiciário e da Defensoria Pública, além da Polícia Militar, tendo sido abordadas em conversa aberta com a comunidade as temáticas do uso de drogas por adolescentes e da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Foram prestados atendimentos pelo Centro de Referência em Assistência Social de Boa Vista do Ramos em demandas relativas à segunda via de documentos, em especial Certidão de Nascimento em caso de registros efetuados em outros Municípios, bem como realizados 24 (vinte e quatro) atendimentos pela Defensoria Pública em conjunto com o Poder Judiciário, com a participação da servidora Sofia Reis.
Dentre as demandas atendidas, destacou-se o pedido de registro de nascimento tardio de uma criança, que será distribuído por meio de ação da Defensoria Pública, além de demandas versando sobre alimentos e cumprimento de sentença.
Durante a visita à comunidade, duas vítimas de violência doméstica apresentaram-se espontaneamente manifestando o interesse em revogar a medida protetiva vigente em razão da retomada da relação. Uma delas, inclusive, possuía “audiência de acolhimento” designada para a Semana Justiça pela Paz em Casa, tendo procurado a equipe para informar que não conseguiu se deslocar ao centro urbano para a audiência, mas tinha interesse em resolver a sua situação.
Após atendimento pela Defensoria Pública, com esclarecimentos sobre as medidas protetivas de urgência, as vítimas foram ouvidas pelo magistrado, que revogou as medidas anteriormente deferidas em razão da perda de utilidade.
Casos peculiares
Registro tardio de nascimento. Ainda no prazo legal de registro, houve situação de violência doméstica com deferimento de medida protetiva. Logo depois, ocorreu a reaproximação do casal, que tinha dúvidas em relação ao registro da criança, especialmente em razão da existência de medida protetiva. Manifestaram o receio de ir ao Cartório para registrar a criança e incorrerem (os dois) em descumprimento de medidas protetivas com alguma consequência criminal.
“O atendimento chamou atenção da equipe em razão dos reflexos da medida protetiva na vida daquela família. A falta de compreensão sobre a finalidade da medida, o receio de incorrer na prática de um crime e a falta de informação sobre como acessar o Judiciário para revogar a medida estavam obstando inclusive o registro civil da criança recém-nascida”, explicou o Juiz João Gabriel.
Foi feito o atendimento pela equipe, tendo sido identificado o intento da requerente em revogar as medidas protetivas, dada a retomada da relação. Em seguida, as partes foram encaminhadas ao Cartório Extrajudicial da cidade e, no mesmo dia, conseguiram registrar a criança. Dessa audiência, também participaram duas Conselheiras Tutelares.
Revogação da medida protetiva e deferimento de acompanhamento psicológico. Mesmo em casos em que a vítima manifesta o desejo de ter a medida revogada em razão da retomada da relação conjugal, foi comum a identificação pelas profissionais que algumas vítimas ainda se encontravam fragilizadas com a situação, manifestando dificuldades em ressignificar o ocorrido.
Durante a Semana, foram feitos 08 (oito) encaminhamentos ao Programa de Atendimento Especializado à Família e Indivíduos (PAEFI) do CREAS, especialmente em razão do interesse manifestado pela vítima em ter acompanhamento psicológico.
Narrativa de descumprimento de medida protetiva de urgência. Durante uma das oitivas, foi identificada situação de descumprimento da medida protetiva desde o início de sua vigência, com retorno do requerido ao lar e perpetuação da situação de violência. Foi narrado pela vítima que, no início, tentou comunicar o fato às autoridades policiais, mas não logrou êxito, tendo continuado a viver com o agressor contra a sua vontade.
Em razão da nova situação fática, foi designada audiência para oitiva de agressor e da ofendida para o dia seguinte, somente tendo comparecido a vítima. No segundo atendimento realizado, a vítima narrou que, após a intimação do requerido, foi novamente ameaçada, ocasião em que o requerido estava alcoolizado. Em razão do descumprimento da medida protetiva de urgência e escalada da violência contra a vítima, com potencial risco a sua integridade, dado o novo episódio de violência, foi decretada a prisão preventiva do agressor após requerimento formulado pelo representante do Ministério Público.
“Também me marcou muito uma vítima atendida que assim que ouviu que estava num ‘ambiente seguro’ começou a chorar. A mulher afirmou que nunca tinha passado por uma experiência como essa, que nunca tinha sido chamada para ouvirem o que ela tinha passado e perguntarem que tipo de auxílio ela precisava. Disse não saber que isso existia” – afirmou a Defensora Pública Daniele.
Resultados
Foram ouvidas 28 (vinte e oito) vítimas de violência doméstica que tinham em seu favor medidas protetivas de urgência deferidas. Na maior parte dos casos, as medidas ainda estavam vigentes, adotando o juízo de Boa Vista do Ramos o parâmetro inicial de 06 (seis) meses quando do deferimento, sem prejuízo de ulterior prorrogação em caso de necessidade.
Revogação das medidas em 46% dos casos. Foram revogadas 13 (treze) medidas protetivas de urgência, a pedido das beneficiárias, sob a alegação de cessação da situação de risco. Na maioria dos casos, foi indicada a retomada da relação pelo casal, com a manifestação da retratação da representação, quando ainda cabível. Nesses casos, as vítimas foram cientificadas do propósito da medida protetiva de urgência e informadas da possibilidade formulação de novo pedido caso se encontrem diante de nova situação de risco.
Manutenção das medidas pelo período de vigência em 35% dos casos. Em 10 (dez) casos, as vítimas narraram que as medidas protetivas de urgência foram efetivas em relação ao distanciamento do agressor. No entanto, entendiam que a manutenção da medida pelo prazo inicialmente fixado ainda era necessária, por não estarem aptas a estabelecer qualquer tipo de contato com o requerido. Nesses casos, as vítimas foram esclarecidas sobre o funcionamento das medidas e sobre as formas de comunicar o descumprimento, bem como informadas sobre o procedimento de prorrogação do prazo de vigência, quando os motivos que justificaram o pedido persistirem.
Prorrogação das medidas protetivas de urgência em 10% dos casos. Em 03 (três) dos casos atendidos, foi identificado que ainda persistiam as razões que justificaram o deferimento da medida, o que culminou na prorrogação da medida por um período inicial de 90 (noventa) dias. Os requeridos serão intimados e poderão contestar a prorrogação das medidas no prazo de 05 (cinco) dias a contar de sua intimação.
Descumprimento de medidas protetivas ou persistência da situação de risco em 7% dos casos. Em um dos casos atendidos foi identificado que mesmo após a cessação da vigência das medidas protetivas de urgência ainda havia episódios de risco à vítima, tendo sido deferidas novas medidas. Em outro caso, constatada a ineficácia da medida anteriormente deferida e a persistência da situação de risco, foi decretada a prisão preventiva do agressor.
Das 30 (trinta) audiências designadas, 28 (vinte e oito) foram realizadas, com 02 (duas) ausências. Em um dos casos a medida já tinha alcançado o prazo de vigência, e diante da ausência da vítima o processo foi arquivado. No segundo caso, a vítima compareceu ao Fórum informando que não poderia comparecer à audiência em razão de prévio compromisso; uma vez que as medidas ainda estavam vigentes, foi mantida a decisão anterior.
Além das audiências de acolhimento, foram designadas 11 (onze) audiências de instrução e julgamento para a Semana Justiça pela Paz em Casa na Comarca e deferidas 03 (três) medidas protetivas de urgência.
Balanço da semana
Para a Psicóloga Gécyca, que participa pela segunda vez da Semana, o resultado foi bastante produtivo, tendo sido identificada a necessidade de incluir 08 (oito) mulheres nos programas ofertados pelo CREAS para trabalhar a autoestima e até o autoconhecimento, disponibilizando ferramentas para que as vítimas possam lidar com a violência que vivenciaram.
“Nessa Semana vimos uma participação em massa das mulheres. Cada uma com uma história diferente, uma vivência diferente de violência, muitas delas com o emocional muito fragilizado”, afirmou a psicóloga.
Para a Defensora Pública Daniele, foram identificados muitos casos em que a medida protetiva ainda estava em curso e sucedeu-se a reconciliação do casal. Destacou que, com o tipo penal do descumprimento de medida protetiva, essa reconciliação, ao menos formalmente, configurava o delito. Para Daniele, essa circunstância gera uma situação de insegurança familiar, principalmente para o requerido, mas também para a mulher.
“Em outra edição participei de uma semana da Paz em Casa em que, ao final da audiência, a assistida abraçou a Defensora porque não sabia que a medida poderia ser revogada e o casal queria retomar a relação mas não ficava junto por receio das medidas”.
A Defensora Pública entende que muitas vezes, por mais que a medida tenha sido necessária quando requerida, a situação fática já mudou, já que o Judiciário e a lei não conseguem acompanhar essas mudanças. Daniele entende que as vítimas atendidas nessa semana tiveram acesso ao conhecimento sobre o funcionamento das medidas protetivas de urgência.
Para o magistrado João Gabriel Cirelli Medeiros, a iniciativa parte de uma carência tanto do Judiciário, em dispor de equipe técnica para cada Comarca, dada a dimensão continental do Estado, quanto do Executivo (em suas esferas), em prestar efetiva assistência às vítimas, muitas vezes até pelo desconhecimento por parte da população. O juiz explicou que a iniciativa tem como objetivo dar visibilidade às ações do Poder Judiciário voltadas à proteção da mulher.
“Ficamos muito satisfeitos com os resultados obtidos, especialmente porque direcionam a atuação da rede de proteção, estando os atores comprometidos em continuar a prestar o serviço iniciado mesmo após a Semana Justiça pela Paz em Casa. Trata-se de um diálogo com a rede de proteção que se trava por meio de ações concretas, em que os atores da rede identificam efetivamente a demanda e redirecionam a sua atuação”.
O magistrado entende que o esforço concentrado no julgamento de demandas de violência doméstica tem relevância, especialmente em Comarcas com grande demanda e em Varas Especializadas, sendo um dos propósitos da Semana o foco no julgamento dos referidos processos. Por outro lado, entende que a proteção da mulher não se restringe ao julgamento dos processos ou ao deferimento das medidas protetivas de urgência, sendo preciso garantir a efetividade das medidas.
“Cada vez mais se discute a necessidade de se olhar para a vítima e para as consequências do delito. Especialmente nos casos de violência doméstica contra a mulher, que envolvem situações existenciais que afetam toda a rede familiar; exige-se um olhar mais atento às pessoas envolvidas naquela relação. Infelizmente toda essa complexidade não chega ao Judiciário, já que o fato é apresentado como um caso criminal, como uma discussão sobre o exercício do poder punitivo do Estado, sendo a relação existencial envolvida muito maior do que isso”, explicou o Juiz João Gabriel.
A Defensora Pública Daniele explicou que é a primeira vez que participa de “audiência de acolhimento”. Titular do Polo da Defensoria Pública localizado na cidade de Maués, estava presente na Comarca de Boa Vista do Ramos em razão do atendimento à população previamente planejado e aceitou participar das audiências.
“Na verdade, eu perguntei para o magistrado do que se tratava essa audiência e foi explicado que a ideia era de acolher a vítima, de propiciar o acesso à justiça e aos programas assistenciais, e eu achei uma ideia fantástica. Já passei por uma Semana pela Paz em Casa, e sinceramente fiquei com esse ‘nó na garganta’. Fiz mais de 70 (setenta) audiências, em dois Municípios, e pensei que na maior parte das vezes a mulher é a que menos tem protagonismo”, disse Daniela.
Em sua experiência, a Defensora lembra que a mulher só entra na audiência para dar o relato dela, não sabendo nem o que aconteceu naquele ato processual, qual foi a pena e mesmo se teve pena. Para ela o foco está na punição, na infração penal, e não em quem é a principal interessada naquilo, a vítima.
“A mulher entra, não sabe nem o que está acontecendo na audiência, só entra no momento em que vai falar, e ainda que a maioria dos juízes respeite a vontade da vítima em não rememorar os fatos, ainda assim a vítima não sabe o que está acontecendo ali”.
Para o Juiz João Gabriel, após as audiências de acolhimento, muitas vezes se percebe que a vítima de violência doméstica está mais interessada em saber se pode ter acesso à pensão alimentícia para os seus filhos, em saber como vão resolver a divisão da casa de madeira que conseguiram construir durante a relação e da qual depende toda a família, em como ficará a situação do roçado se o companheiro não puder chegar perto da casa, do que em saber se o agressor será ou não punido, ou qual será a pena aplicada.
“Ainda que se perceba o esforço da Defensoria Pública do Estado do Amazonas em capilarizar sua atuação, atendendo às demandas do jurisdicionado do interior, ainda há muito a fazer, não só pela Defensoria, mas também pelos outros atores do sistema de justiça, para garantir o efetivo acesso à justiça. Diante desse quadro, a proposta das ‘audiências de acolhimento’ na Semana Justiça pela Paz em Casa também visa a promover o acesso à justiça por parte da vítima de violência doméstica, facilitando o acesso à assistência jurídica e psicossocial”, destaca.
O Juiz João Gabriel ressalta que o deferimento das medidas protetivas de urgência pelo Poder Judiciário, com a comunicação às forças policiais, não esgota a atuação do Poder Público, destacando o necessário acompanhamento da efetividade dessas medidas, bem como a necessidade de promover a criação de espaços de proteção à mulher.
“Especialmente no interior do Estado, em que não apenas se observa carência na atuação das forças policiais por ausência de pessoal, mas também dificuldade em acessar o sistema de justiça, necessária se faz a provocação dos agentes públicos para que promovam programas de empoderamento da mulher, prestando assistência informacional, jurídica, material e psicológica”, afirmou o Juiz.
Perspectivas de atuação
A assistente Social Maria Elcilândia constatou nas audiências que muitas mulheres nem sequer sabiam da existência e das atribuições do CREAS, tampouco da existência de programas de assistência às vítimas de violência doméstica, o que considera uma falha do próprio equipamento e um ponto a ser melhorado.
Para a Defensora Pública Daniele, a ação foi produtiva, especialmente por reverter a lógica para o que realmente é importante. Sem desconsiderar a relevância do julgamento célere dos casos envolvendo violência doméstica, entende ser essencial o foco na mulher vítima de violência e nas necessidades que surgem a partir da violência sofrida.
“É muito importante dar esse fortalecimento para a mulher e mostrar que independente do que acontecer dali para frente, o Estado tem que agir. A mulher não deve se sentir culpada ou envergonhada de noticiar nova situação de violência e deve saber que se ela noticiar à polícia e não fizerem nada, ela também tem a quem recorrer. Assim a mulher se sente muito mais empoderada”, afirma Daniele.
O magistrado João Gabriel Cirelli Medeiros espera que a iniciativa alcance o objetivo de fomentar novas atividades pelo CREAS de Boa Vista do Ramos e por outros órgãos do Poder Público, bem como sirva para levar à população conhecimento dos programas já oferecidos no Município de Boa Vista do Ramos e para esclarecer sobre outras formas de buscar auxílio em caso de violação de direitos.
Texto: Dr. João Gabriel Cirelli Medeiros, Juiz Titular pela Vara Única de Boa Vista do Ramos
Foto: Arquivo Pessoal do Juiz João Gabriel Cirelli Medeiros
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