O segundo dia da 1ª Conferência Amazônica do Ambiente e do Clima no Palácio Rio Negro, em Manaus, teve início na sexta-feira, 18 de novembro. O secretário-geral da Enfam, juiz Jorsenildo Dourado Nascimento, realizou a abertura do segundo dia da Conferência. Ele destacou a importância da parceria entre as escolas judiciais estaduais e federais para a realização de eventos de capacitação, como a Conferência em Manaus.
O evento, realizado em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e a Escola da Superior da Magistratura do Amazonas (Esmam), teve como objetivo a efetivação da Política Nacional do Poder Judiciário para o Meio Ambiente, inscrita na Resolução n. 433/2021 do Conselho Nacional de Justiça, fruto das ações do Grupo de Trabalho Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Poder Judiciário. O grupo tem por objetivo principal estabelecer diretrizes e recomendações específicas para orientar uma atuação estratégica e cooperativa entre os órgãos, organismos e organizações governamentais e não governamentais e o Sistema de Justiça no que concerne às ações envolvendo a tutela dos direitos socioambientais.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin apresentou um painel especial no qual traçou um Panorama da Jurisprudência Ambiental do STJ.
No Painel O Regime de Proteção Climática na Constituição Federal de 1988, o palestrante foi Tiago Fensterseifer, doutor em Direito Público pela PUC/RS, com pesquisa de doutorado-sanduíche junto ao Instituto Max-Planck de Direito Social e Política Social (MPISOC) de Munique, na Alemanha, e estudos em nível de pós-doutorado junto ao MPISOC, além de professor-visitante do Mestrado e Doutorado do PPGD da Universidade de Fortaleza (Unifor).
Durante a palestra, Fensterseifer ressaltou que é plenamente possível reconhecer a configuração de um direito fundamental à integridade do sistema climático ou direito fundamental a um clima estável, integro e seguro, De tal sorte, a integridade e estabilidade climática integra tanto o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente quanto o conteúdo do chamado mínimo existencial ecológico, podendo-se falar, inclusive, de um mínimo existencial climático, como indispensável a assegurar uma vida humana digna.
É imperioso, por essa ótica, o reconhecimento de deveres estatais específicos de proteção do sistema climático, derivados diretamente da previsão do inciso I no § 1º do art. 225 da CF/1988, que dispõe sobre a proteção dos “processos ecológicos essenciais”. O sistema climático, nesse sentido, deve ser reconhecido como um novo bem jurídico autônomo de estatura constitucional.
A respeito do tema, destaca-se a recentíssima Recomendação CNJ n. 123/2022, ao apontar a necessidade de os órgãos do Judiciário observarem os tratados e convenções internacionais de direitos humanos, bem como a jurisprudência da Corte IDH, inclusive no sentido de exercerem o correlato controle de convencionalidade. Isso, por certo, reforça a responsabilidade internacional do Estado brasileiro em relação à proteção da Floresta Amazônica.
Nesse contexto e seguindo o caminho trilhado por outros Tribunais e Cortes de Justiça nacionais e internacionais mundo afora, o STF tem oportunidade histórica e pode estar prestes a escrever um novo capítulo na sua jurisprudência ecológica, notadamente na seara da proteção climática. O Tribunal Constitucional Federal alemão fez isso recentemente no julgamento do Caso Neubauer e Outros v. Alemanha, ocorrido em 2021. Na ocasião, o Tribunal reconheceu a violação aos “deveres estatais de proteção ambiental e climática” no âmbito da Lei Federal sobre Proteção Climática (Klimaschutzgesetz – KSG) de 2019, a qual, segundo a Corte, teria distribuído de modo desproporcional – entre as gerações presentes e as gerações mais jovens e futuras – o ônus derivado das restrições a direitos fundamentais – em especial ao direito à liberdade – decorrentes da regulamentação das emissões de gases do efeito estufa, ao prever metas de redução tão somente até o ano de 2030.
Esse cenário constitucional – e convencional – é reforçado na jurisprudência do STF, com o reconhecimento do status supralegal dos tratados internacionais que versam sobre o meio ambiente, como destacado em voto-relator da Ministra Rosa Weber na ADI 4066/DF (Caso Amianto), especificamente naquela ocasião em relação à Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (1989). Por essa razão, também a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima e a Convenção-Quadro sobre a Biodiversidade, ambas celebrados por ocasião da Conferência do Rio de 1992, e o Acordo de Paris 2015 -, devem ser tomados como parâmetro normativo para o controle de convencionalidade por parte de Juízes e Tribunais nacionais (inclusive ex oficio, como já decidido pela Corte IDH) da legislação infraconstitucional e ações e omissões de órgãos públicos e particulares.
E prosseguindo, o palestrante demonstrou que proteger a Amazônia é proteger direitos e interesses tanto das nossas crianças e adolescentes quanto das futuras gerações (nossos filhos, netos, bisnetos etc. que nascerão no futuro). A Amazônia também pertence a eles, bem como os serviços ecológicos por ela prestados a nós brasileiros (e ao mundo) são essenciais à vida em condições dignas no futuro. Fechar os olhos para o está acontecendo hoje na Amazônia e jogar para o futuro o devido enfrentamento do aquecimento global e das mudanças climáticas é o mesmo que inviabilizar o futuro das nossas crianças, adolescentes e futuras gerações.
Finalizando a palestra, Tiago Fensterseifer citou um trecho da obra A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa: “A floresta está viva.
Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la.
Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor.
A terra ressecada ficará vazia e silenciosa.
Os espíritos xapiri, que descem das montanhas para brincar na floresta em seus espelhos, fugirão para muito longe.
Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los e fazê-los dançar para nos proteger.
Não serão capazes de espantar as fumaças de epidemia que nos devoram.
Não conseguirão mais conter os seres maléficos, que transformarão a floresta num caos.
Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós.
Todos os xamãs vão acabar morrendo.
Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar.”
Foto: Chico Batata
Núcleo de Divulgação - ESMAM