Métodos alternativos, justiça ecológica e conciliação no combate aos crimes ambientais e agrários

Adalberto Carim

A primeira Vara Especializada do Brasil em crimes contra o meio ambiente, a "Vara Especializada em Meio Ambiente e Questões Agrárias", foi criada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em 1997, tendo desde seu início, como titular o Juiz de Direito  Adalberto Carim Antônio. Ele é pós-graduado em Direito Ambiental, foi chefe do Departamento do Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Amazonas, além de pós-graduado pela Universidade do Tennessee (EUA) em "Metodologia de Avaliação em Impacto Ambiental".

O Juiz Carim diz que a criação de uma vara apenas para o meio ambiente seguiu uma tendência do direito de especialização dos juízes. "Já existiam varas de família, entorpecentes, infância, entre outras. É natural que um Estado como o Amazonas tenha sido o pioneiro na criação de uma vara para enfrentar os graves problemas do meio ambiente do Estado".

A ESMAM inicia com o Juiz Adalberto Carim uma série de entrevistas que pretendem mostrar ainda mais o importante trabalho que o judiciário Amazonense presta a este imenso Estado.

 

#EntrevistaESMAM - O senhor foi o pioneiro na criação de uma Vara Especializada em Meio Ambiente e Questões Agrárias,  como isso aconteceu?

Juiz Adalberto Carim - Sim, a questão ambiental sempre esteve presente em minha vida desde a época da faculdade. Quando costumava assistir as aulas do Dr. Adeson Dutra, e do meu mestre Roberto Vieira. Após, uma especialização em Direito Ambiental cronologicamente a primeira do Brasil ingressei na Magistratura Estadual. A ideia da materialização de uma vara ambiental sempre me acompanhou e foi estimulada por nomes de relevo, como: o Dr. Édis Milaré. A tentativa formal da criação de uma Vara Ecológica ocorreu inicialmente no pretérito ano de 1994. Na ocasião por falta de condições financeiras não houve possibilidade de sua estruturação. Algum tempo depois, mais precisamente em 1997, na administração do Desembargador Manuel Neuzimar Pinheiro encontrei o respaldo necessário para efetivar a Vara Ambiental. O Desdor. Neuzimar conhecia as agruras da vida no “hinterland” amazônico. Coincidentemente o Procurador Geral Justiça, do Ministério Público do Amazonas, na época, o Dr. Evandro Paes de Farias, que também, integrou originalmente a Curadoria de Meio Ambiente do MPe. Dessa forma, nasceu a Vara Especializada do Meio Ambiente e de Questões Agrarias do Estado do Amazonas (VEMAQA). A Vara Ambiental foi concebida, com fulcro na Lei Complementar (Lei nº 17/1997) da Magistratura e na Resolução nº 05/1997. Tinha inicialmente a jurisdição ambiental concorrente, com todas as comarcas do interior, tanto que a primeira ação civil pública ambiental analisada e julgada ocorreu no “Parque Nacional do Pico da Neblina”, na Reserva dos Seis Lagos, situada na longínqua Comarca de São Gabriel da Cachoeira/AM. Outra característica que ainda permanece é o fato de ser uma vara híbrida, atuando na esfera civil e criminal. Já são 23 anos com essa experiência que trouxe pela primeira vez o PRÊMIO DE QUALIDADE do STJ e o PRÊMIO “INNOVARE” DO STF, para o Tribunal de Justiça do Amazonas, em 2001 e 2007.

#EntrevistaESMAM O senhor tem se destacado por ter uma pedagogia inovadora, encontrando formas alternativas de punição, além do alto número de conciliações. O senhor poderia falar um pouco sobre isso?

Juiz Adalberto Carim  - Alavancar uma Vara Ambiental se mostrou inicialmente, uma tarefa bastante difícil. Primeiramente, não havia ainda no mundo jurídico a Lei nº 9.605, de 12/fev/1998, denominada “Lei de Crimes Ambientais”. Eu vinha, de um trabalho realizado à frente do 17ª Juizado Especial Criminal, cuja a promotoria era atribuída ao hoje, Ministro do STJ, Mauro Campbell. Fui nitidamente influenciado portanto, pela Lei nº 9.099/95, que foi certamente revolucionária para o direito brasileiro. Enxerguei ainda, um aspecto pouco vislumbrado e que está contido na inteligência do art. 225, §1º, VI, da Carta Magna, que denota ser incumbência do Poder Público, e dessa tarefa não pode se afastar o judiciário “de promover a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Isso se dá certamente com sentenças que sejam ecologicamente corretas, mas sobretudo, levando-se em conta que o perfil do “infrator ambiental” que é diferente do “delinquente comum”. Via de regra, o infrator ambiental pode ser uma senhora que não modulou o seu som, e incomoda a vizinhança, ou ainda, o empresário que polui, mas acredita está gerando um benefício para a sociedade, pois, promove empregos. Ademais, havia uma cristalina ojeriza na forma em que eram tratadas as infrações por parte dos órgãos do SISNAMA. Compreendi que a ideia de educar ambientalmente, fazia parte do trabalho do juiz ambiental. Dessa forma, em 1998, se estabeleceu o Centro de Ressocialização Ambiental, inicialmente, aberto nas dependências da antiga sede da VEMAQA. Hodiernamente, ou seja, a mais de vinte (20) anos esse trabalho de ressocialização é feito com louvor, hoje, em parceria com JUSTIÇA FEDERAL, IBAMA, SEMED, SEMMAS, IPAAM, BATALHÃO AMBIENTAL, DEMA, etc.. É de ressaltar que várias dissertações e teses foram escritas sobre esse trabalho, constando-se que não há reincidência, após, a difusão do conhecimento ambiental entre os infratores, que se tornam veículos propagadores de conscientização em seu meio. Assim, transações e suspensões (conciliações) processuais tornam a lei de crimes ambientais inequívoca fonte de educação para os infratores. Acredito que essa semente inspirou, inclusive, outros momentos, como: o “REEDUCAR”, no Judiciário Amazonense. Foram até a presente data, o quantitativo de 110 (cento e dez) OFICINAS DE REEDUCAÇÃO AMBIENTAL e capacitação de mil, novecentos e sessenta e três (1.963) pessoas, dando ciência de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum e direito de todos os brasileiros.

#EntrevistaESMAM A questão da descarbonização ainda está valendo? Tem acontecido?

Juiz Adalberto Carim  - A descarbonização consiste na busca pela redução e, a longo prazo, eliminação da emissão de gás carbônico nas atividades das pessoas e empresas públicas e privadas. Assim, a descarbonização chega como aliada da sustentabilidade. Isso porque a emissão de gás carbônico é um dos impactos ambientais mais negativos da atividade humana, representando uma ameaça à vida no planeta. Dessa forma, quando pessoas buscam, ativamente, reduzir esses índices de emissão de CO2, é possível diminuir esses impactos e, com isso, contribuir para a sustentabilidade a nível global. Diante desse contexto, acredito que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, já esteve mais empenhado nesse processo, mormente, na gestão do Desdor. Ari Moutinho, presidente do TJAM, no biênio 2012/2014, que à época, engendrou esforços para reaproveitamento e coleta do óleo automotivo e doméstico entre os funcionários do TJAM, bem como, substituindo as inúmeras lâmpadas comuns por lâmpadas LED, o que gerou substancial economia. É de salientar que o Desdor. Thury, quando Corregedor do TJAM, no biênio 2014/2016, lançou as bases do “PROGRAMA SEMENTE DA VIDA”, com escopo de incrementar arborização na capital do Estado. Ironicamente, Manaus é uma das cidades, com menos árvores do país. Portanto, a questão da descarbonização é muito importante devendo ocorrer sistemática, passando de gestão para gestão.

#EntrevistaESMAM Qual a sua avaliação do crescimento ou não das questões de preservação do meio ambiente e agrárias, como desmatamento e invasões irregulares, ao longo do tempo, desde a criação da VEMAQA?  O senhor tem percebido uma maior aproximação do crime organizado com as questões ambientais e agrárias?

Juiz Adalberto Carim  - Sem dúvida, houve um substancial crescimento das questões relativas ao meio ambiente nos últimos anos. Hoje, é possível discernir com clareza a existência de programas ambientais, oriundos de uma miríade de ONGs, como: WWF, FAS, FVA, Greenpeace BRASIL, e OUTRAS. Ao mesmo tempo, que isso corre se percebe um nítido o desmantelamento da estrutura de Órgãos voltados para proteção do meio ambiente. Alguns estão sucateados necessitando da realização de concursos para substituição dos servidores que estão indo para aposentadoria. É ainda, perceptível que hoje a “indústria das invasões” já não tem mais o aspecto romântico em que se visava “tirar dos ricos para dar aos pobres”. Nos dias atuais, o Crime Organizado se aproximou com tal intensidade dos invasores, que é muito difícil combater essas transgressões sem o auxílio de Órgãos Ambientais Estruturados (poder de polícia). Isso aconteceu com muita veemência na invasão denominada “cidade das luzes” que demandou mais de quinhentos homens da polícia militar e civil, e ainda, participação de membros dos Órgãos Ambientais da União, do Estado e do Município, para eliminar esse foco da criminalidade ambiental.

#EntrevistaESMAM Quais os maiores entraves no combate a esses crimes?

Juiz Adalberto Carim  - Acredito pessoalmente, que os maiores entraves ao combate dos delitos ambientais é o denominado sucateamento dos Órgãos do SISNAMA. O contrário é óbvio tem efeito positivo. O robustecimento da polícia militar ambiental e da delegacia de meio ambiente certamente aprimoraria o combate aos crimes ecológicos. Recordo que uma das queixas mais frequentes dos servidores que integram o SISNAMA é a ausência de aparelhamento adequado para confrontar essa criminalidade cada vez mais ativa. Lembro ainda, que em comarcas como: Presidente Figueiredo/AM a ausência de transporte fluvial acarretava a falta de operacionalidade. O Estado do Amazonas por suas características geográficas distintas exige todo um aparelhamento para contornar as dificuldades de acesso às áreas remotas, via de regra, exploradas pela marginalidade. É necessário enfatizar que só o aparelhamento não é suficiente à mingua de formação específica, uma vez que a legislação ambiental é extremamente complexa e detalhada. Os poluidores estão cada vez mais fortalecidos, ainda que inexistam muitos profissionais do direito, especializados na questão ecológica.

#EntrevistaESMAM Como o senhor vê o futuro da Amazônia, sob a ótica de um magistrado que atua firmemente nas questões de meio ambiente e agrárias?

Juiz Adalberto Carim  - O futuro da Amazônia está diretamente ligado a qualidade de vida do planeta. A Amazônia tem sido foco de conflitos no mundo inteiro. É inquestionável que a diversidade biológica da Amazônia é a mais rica da terra. É ainda, diáfano o fato de que existe muito a ser descoberto pela ciência, no que tange as características de floresta tropical. É sabido que os rios voadores permitem que a dadivosa chuva atinja os recantos mais distantes desse país e até nações como: a Argentina. A copa das árvores é um ecossistema que ainda não foi compreendido em sua totalidade. A Amazônia é ainda desconhecida para maior parte dos cientistas e ironicamente para a população brasileira. O futuro da Amazônia está no fortalecimento da fiscalização ambiental, na especialização ou semiespecialização de Varas Ambientais mormente no interior do estado em comarcas como: Apuí, Lábrea e Humaitá. Já foi dito pelo filósofo que o futuro é construído a cada passo. Se desejamos vislumbrar um futuro salutar, se pretendemos combater o aquecimento global temos que atinar para a importância da floresta em pé. Só assim, as nuvens negras vaticinadas por alguns pseudofuturólogos irão se dispersar e poderemos esperar por um mundo melhor.

#EntrevistaESMAM O que o senhor acha importante ressaltar para a população em geral, sobre essas questões?

Juiz Adalberto Carim  - Nesse momento eleitoral, em que cada um tem o poder de decidir sobre o futuro do local em que reside é importante atentar para os impactos ambientais advindo do processo eleitoral e as várias formas de poluição oriundas da propaganda eleitoral: poluição visual, poluição sonora, poluição eletrônica, geração de recursos sólidos, enquinamento do solo. É fundamental abrir os olhos e atentar para aspectos que passam desapercebidos pelo cidadão comum. A mera impressão dos denominados “santinhos” é uma das formas de poluição mais agressivas que existem. Esses panfletos com o número dos candidatos acaba por conspurcar o chão, entupindo os bueiros, causando todo tipo de problema ambiental urbano. É mister que essas questões sejam salientadas para a população que vai escolher o Gestor de seus municípios. Assusta-me inicialmente, o fato de que nenhum dos candidatos ao pleito municipal tenha abordado a questão ecológica. Isso entristece e desestimula, contudo, ser ecologista e ecólogo é ser otimista pugnando ao Alcaide maior atenção aos problemas ambientais que permeiam a sociedade atual.

 

Ramiro Neto

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